terça-feira, novembro 08, 2005

Desvarios de um personagem coadjuvante

Eu sei, desde criança, que tenho um estranho fetiche por personagens coadjuvantes. Posso apostar uma orelha que existe alguma síndrome psiquiátrica com o nome tipo “Síndrome da Reclusão Social Generalizada na Ficção, Aplicada na Misantropia do Ser Humano”, ou algo do gênero, que deve me classificar como incapaz de viver em sociedade e potencialmente perigoso. Seria muita tiração de onda adicionar essa observação a "Outras Competências" no meu currículo, logo depois do item que fala da minha faculdade inata de manipular jogos de WAR.

Provavelmente devo dar graças aos quadrinhos por não ter me tornado um psicopata, já que, desde minha tenra infância, foi onde eu descarreguei minha obsessão por personagens inúteis.

Tudo começou quando eu lia Transformers. Não, eu não gostava do caminhãozão vermelho, nem do fusquinha amarelo e nem da ambulância, eu gostava do jipe verde que aparecia em uma a cada dez revistas e tinha uma fala a cada três episódios do desenho. (Eu inclusive sei dizer os nomes dos personagens, só não quero ostentar a minha nerdice pra vocês não terem tanta pena de mim).

Depois vieram as revistas de super heróis e a literatura. Meu X-Men preferido sempre foi (e ainda é, rapá!) o Destrutor, irmão meia-boca do Ciclope. Não era o Wolverine, o Colossus e nem o Noturno, era o cara que tinha um porta estandarte em forma de partícula atômica na cabeça. Na mesma época, eu comecei a ler Vingadores, e obviamente o personagem mais maneiro não era o Thor ou o Hércules, era o Cavaleiro Negro! (Porra, ele tinha um cavalo alado e uma espada, o que o Thor tem?, um martelo sem graça e um capacete com asinhas!)

E, terminando o bombardeio frenético de exemplos, quando li “O Senhor dos Anéis" pela primeira vez (tinha uns 13 ou 14 anos), o personagem que eu mais gostava era o Boromir. Justamente o cara que trai o grupo e morre. Ô Beleza.

Será que tem uma lógica nisso tudo? Na minha modesta opinião, os personagens coadjuvantes são mais interessantes de um modo estranhamente peculiar. Não pelo que são, mas pelo potencial inexplorado do que podem vir a ser. Alguns morrem por que já estava decidido que iam morrer mesmo, outros ficam malvados e tentam matar o irmão (mais de uma vez, veja bem...), outros são esquecidos pelos roteiristas e somem sem deixar vestígios. Em casos especialmente interessantes, um personagem coadjuvante se torna personagem de suma importância durante um breve período, pra depois cair no ostracismo novamente. Como na vida real, os personagens da ficção tem seus altos e baixos.

E ainda existe um prazer mórbido. Um personagem coadjuvante pode morrer a qualquer momento, de uma hora pra outra. Ele é secundário, descartável. Os personagens principais conduzem as histórias, são os pilares. A morte de um deles sempre afeta seriamente a condução do script. Por outro lado, se o autor só quer mesmo dar uma moral, pra pontuar a gravidade de uma reviravolta do roteiro ou surpreender o incauto leitor com algo inesperado, pode muito bem matar um personagem de pouca importância. Essa é a parte fascinante da coisa. O Frodo, o Harry Potter ou o Wolverine simplesmente não podem morrer, isso os torna menos reais do que um personagem que corre risco de vida toda vez que seu nome é citado an passant.

Por isso eu sou fã do Robert Jordan (da fabulosamente maravilhosa série de fantasia Wheel of Time, que em breve eu vou comentar por aqui), ele segue essa regra à risca e ainda faz questão de desenvolver os personagens coadjuvantes, inclusive os que vão morrer em um ou dois capítulos mais. Essa é a graça da coisa. O cara te engana, mostra o potencial daquele personagem, deixa bem claro que muita coisa pode ser explorada ali. Aí vai e mata o infeliz. É como se o Cisne morresse naquela primeira porradaria, contra o Cavaleiro de Bronze de Urso Panda Gigante, no segundo ou terceiro episódio de Cavaleiros do Zodíaco.

O Bernard Cornwell e o Michael Moorcock (criador do personagem Elric) também entendem do riscado. Isso pra ficar no terreno dos escritores de fantasia. Nos quadrinhos é melhor nem começar a falar, ou serão mais 3.000 caracteres (sem espaço, por favor) sobre os X-Táticos do Peter Milligan.

Agora vamos fazer que nem aluno mongolzinho em redação de vestibular (o parágrafo de conclusão tem que ser breve, claro e sucinto, professor!):

Desse modo, levando em consideração tudo que foi dito a cima, concluímos que o redator de tal ensaio deveria ter mais o que fazer do que ficar se preocupando com esse tipo de idiotice. Caso o problema persista, deveria se internar ou, ao menos, buscar tratamento com drogas pesadas (benzedrina, faz favor, tem em gotas?).

(A menção a drogas vai me custar pelo menos uns 2 pontos no vestibular. Damn, eu devia ter pedido um pirulito).

Até breve

np: Slipknot - Vermillion