terça-feira, setembro 18, 2007

The Dragon is gone

Cara, que merda.

Mal sentei no computador hoje de manhã e a Gorda veio com a notícia de que o Robert Jordan morreu.

Provavelmente 99% da humanidade nunca ouviu falar em Robert Jordan ou em Wheel of Time. Na moral, foda-se.

A verdade é que sou afortunado o suficiente para ainda não ter “sofrido” a morte de nenhum dos meus ídolos. Olhando em retrospecto, não sei exatamente onde situar o supracitado autor nessa história toda, mas quando eu paro e me vem à mente um singelo detalhe – que li mais de 8 ou 9 mil páginas saídas do computador do desgraçado – obrigatoriamente não posso considerá-lo “insignificante”.

Tolkien construiu uma mitologia para dar vida às línguas que ele tanto era apaixonado em criar. Creio que Mr. Jordan (ou Robertão, para os íntimos), se esforçou tanto para criar uma mitologia que daria vida e verossimilhança aos seus personagens que em algum momento aquilo tudo escapou de seu controle. Tanto que Wheel of Time, seu descomunal épico de modern fantasy (ou high fantasy, não vou chamar de fantasia-farofa hoje, em respeito), jaz inacabado, após 11 livros, sem falar nos contos, HQs, RPGs e uma prequel.

Admito que após o décimo livro minha empolgação com a série já havia esvaecido. Como se o próprio Robertão soubesse que um mísero passo a frente significaria dar um fim naquilo, por isso prorrogasse até o último minuto o momento de arrancar o band-aid – o que ninguém agüenta, cá pra nós. Não aprovo o fato de que o fim da série tenha sido por tantas vezes adiado (seriam quatro livros, depois sete, depois dez e, por fim, doze). “Caça níquel!”, eu mesmo esbravejei várias vezes. Fazer o quê? Livros são um negócio como qualquer outro e os americanos devoram esse tipo de farofa. Por isso a minha recente revolta com o Robertão e sua Roda do Tempo – o que me fez inclusive apagar seu nome de minha lista de livros preferidos no orkut (uau, isso sim é grave).

De qualquer maneira, caça-níquel ou não, é impossível deixar barato.

Devo ter perdido quase um ano de tempo de leitura em função de Wheel of Time.

O meu vocabulário de inglês no que diz respeito a expressões faciais ininteligíveis e redundantes – snigger, snort, scowl, frown, etc – aprimorou-se 100%.

O fetiche por personagens coadjuvantes inúteis também. As listas com nomes de personagens eram uma obsessão nada sadia.

Quando o Robertão errava de mão, a frustração pelos finais de livros psicodélicos e obtusos (livro 4, livro 10) só era compensada pelas chacinas hecatômbicas de quando ele acertava a mão (livro 6, livro 9, livro 3).

Sempre haverá um cantinho especial no meu coração reservado para Dumai’s Wells. Ou pro péga pra capá entre os Forsaken e o combinado de Ashaman e Aes Sedai, no livro 9. Cara, eu cheguei a fazer anotações pra conseguir seguir o que estava acontecendo sem perder nada (desse modo eu percebi que um dos personagens sumiu durante a batalha porque o Robertão se esqueceu dele. Ora, no livro seguinte bastou inventar que o espadachim sinistro estivera cuidando dos cavalos. Relevemos).

Ainda acho que o Lan enfia a porrada no Aragorn e no Jamie Lannister. Juntos.

Se eu fosse Aes Sedai, seria Cinza. É o Ajah mais divertido.

Me orgulho de ter conseguido ler o lendário banho da Elayne até o fim, no livro 10. Quatro capítulos de uma minuciosa descrição do sistema de encanamento de um castelo medieval, entremeados pelos sintomas de uma gravidez sobrenatural e feiticeiras de TPM. Tão divertido que faz Ulisses parecer uma HQ dos X-men. É a passagem que separa os homens dos meninos, não é Gorda?

Bom, provavelmente a família vai publicar toda e qualquer linha ainda não impressa. E certamente o Robertão vai voltar pra assombrá-los, se não publicarem cada scowl da Nynaeve que ficou pra trás. E quem conhece a série sabe que são muitos scowls.

E que a lição sirva para o viado do George R.R. Martin não adiar mais uma vez o fim da porra do A Song of Ice and Fire.

Anyway,

Robert Jordan, aka James Oliver Rigney, Jr.

17 de outubro de 1948 – 16 de setembro de 2007

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quarta-feira, setembro 05, 2007

"Tratar de estar mejor"

(Esse artigo foi escrito pelo chileno Alberto Fuguet e retirado do livro Apuntes Autistas. Não existe traduzido em português e eu resolvi compartilhar essa genialidade com meus amigos. Deixei o título original, pra acentuar o caráter de tradução não-oficial. Quero ser que nem ele quando crescer :~~~ )

De Alberto Fuguet
Traduzido por Pedro Vieira


Caminho, tropeçando entre todos esses livros piratas do Paulo Coelho à venda nas ruas. Os jornais me bombardeiam com manchetes sensacionalistas. Tudo virou lixo, escândalo, fofoca. As massas tomam conta e algo do elitista que existe em mim sente um leve mal-estar.

Alguém me pergunta de que fujo. Como assim? Todos fogem de algo, insiste, algo que não querem enfrentar. Perdão? A raiz de todo vício passa pela fuga. Quê?? Em seguida, me pergunta quais são os meus medos de fim de século. Digo-lhe quais são: que as pessoas – homens feitos, sem problemas significantes, pais de família – comecem a falar desse mesmo jeito que você.

O maior vazio é se preocupar tanto com os vazios.

Para que colecionar figurinhas se posso colecionar a mim mesmo?

Na Feira do Livro, compro A última grande lição, de Mitch Albom. É um livro pequeno, fácil de ler, presente perfeito pra essas pessoas que você gostaria que fossem assassinadas. Vendeu mais de cinco milhões de exemplares. Um êxito assustador. Quase todos os leitores, homens. Homens que não lêem, exceto por absoluta necessidade. O tipo de homem insensível, o homem que não dança. Já havia visto o tal livro em aeroportos, em inglês. O título original é bem melhor, Tuesdays with Morrie. Terças-feiras com Morrie. Mas quem é essa porra de Morrie? Morrie é um homem notável. Um professor. Um treinador que treina Mitch para essa partida, que é a vida.

Do que estamos falando mesmo?

Sério, alguém necessita de um treinador?

Para quê, para acabar suado? Façam-me o favor. Nego-me a imaginar que a vida seja uma academia de ginástica.

Para que lê esse lixo? Alguém que conhece literatura me pergunta. Os livros são de Vênus, a auto-ajuda é de Marte, alega.

A ultima grande lição é algo como um remake contemporâneo, suburbano, da viagem de Gurdjieff em Encontros com homens notáveis. A história de Morrie é real. Morrie viveu até pouco tempo atrás. O narrador é um desses caras bem sucedidos, jornalista de trinta e tantos anos, recém casado, workaholic, mas que sente que está tudo errado em sua vida. Tem de tudo, mas, obviamente, como sempre acontece nesse tipo de crise, ao mesmo tempo não tem nada. Traiu a si mesmo. Deixou-se “encantar pelo canto da sereia” de sua própria vida. Morrie, que já nem consegue ir ao banheiro sozinho, foi seu velho professor na universidade. E Morrie está morrendo, ficando paralisado pouco a pouco. Mitch voa, toda a terça-feira, de Detroit para Boston, só para ver Morrie. E Morrie lhe ensina coisas. O ilumina. Explica todo o significado da existência humana. Morrie é Yoda.

O velho sábio fala mais ou menos assim:

“Está em paz consigo mesmo? Tenta ser tão ser humano quanto pode?”

Não, não estou em paz. Ou talvez esteja. O que você tem a ver com isso, porra? Olhe para si mesmo, que belo fim você teve: sozinho, paralítico, sem ninguém que venha te ver exceto o otário do Mitch.

Tentar ser humano. Para quê.

Tente ser freak, esquisito, indeciso, intenso, autista, psicopata: mas, por favor, olha aonde chegaram todos esses humanos.

Morrie é esse tipo de personagem “gostável”, daqueles que uma pessoa sensata deseja que morra o quanto antes. Mitch, o narrador, é o tipo de filhadaputa que vai mudar, para pior. Morrie o preenche com sabedoria instantânea:

“Quando se aprende a morrer, se aprende a viver”

Ah sim, mas é claro. Como se ninguém passasse desta para uma melhor sem gritar, chorar e agarrar-se à vida até o último suspiro. Não fode. “O mais importante nesta vida é aprender a dar e receber amor”. Claro, concordamos agora, mas tampouco isso te assegura alguma coisa. Vamos Morrie, sem exagerar. “Olhar para trás faz você querer competir”. Ah, certo... BASTA.

(...)

Morrie é um perigo público.

Tuesdays with Morrie é o livro que faltava para fechar esse milênio, completar de uma vez a transição ao próximo. Tudo o que diz é sério, real, verdadeiro e, do mesmo modo, não dá pra acreditar em nada.

Talvez exista algo de obsceno em se auto-ajudar. Não o desejo em si, com certeza não. Por acaso existe objetivo mais legítimo e, decerto, mais urgente? O que perturba é o fato de algo em essência tão pessoal se transformar em público, coletivo e naif. Uma terapia barata em massa. Curar-se em grupo, às vistas. É como fazer uma tortilla sem quebrar os ovos. É falar do indivíduo refugiando-se no anonimato do plural.

Vou ao cinema assistir ao bizarro Clube da luta. Um filme com suas falhas, porém esquisito, provocador, tão inteligente quanto burro, que por tentar ser fiel à cativante novela trash de Chuck Palahniuk, termina tratando-a mal. Edward Norton é um homem covarde, quieto, insone. Fica viciado em grupos de ajuda. Por não ser capaz de chorar sozinho, chora em público. Mente a todos e mente a si mesmo, porém desabafa. Logo conhece Brad Pitt. Pitt é Morrie com músculos. Diz coisas tipo “auto ajudar-se é como se masturbar. Auto destruir-se, por outro lado...”. Pitt cospe pérolas dark: “Nossa geração não teve uma grande depressão, uma grande guerra. Nossa guerra é espiritual. A depressão é nossa vida”. Sua solução é não oferecer solução alguma. É combater o nada com violência. Pitt crê que um homem não se faz através do choro, e sim saindo na porrada, com as mãos nuas.

Eu acho que um homem se faz indo ao cinema e lendo, mas não esse tipo de coisa.

Fuck Morrie, descanse em paz.

Fuck Mitch
por ser um necrófilo. Por ser uma fraude. Por iludir toda essa gente em busca de conforto, preenchendo-os com conselhos que apenas servem pra te deixar mais nervoso, que não acalmam e que te fazem se sentir ainda mais só; pois você se dá conta que esse mundo está cheio de pessoas asquerosas, estúpidas, insensíveis, incultas e preguiçosas.

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