segunda-feira, dezembro 11, 2006

Fried flour fantasy: ASOIAF

Vou aproveitar meu providencial (e, espera-se, passageiro) período de ócio para tecer alguns comentários sobre a parada mais foda com a qual eu entrei em contato nos últimos tempos. Não, não é a insossa terceira temporada de Lost (e poderia ser Heroes, mas vou guardar pra próxima). È uma série de livros de fantasia-farofa chamada A Song of Ice and Fire (ASOIAF, para os nerds íntimos).

O mais interessante da maldita série (digo maldita porque essa porcaria é extremamente viciante, praticamente um World of Warcraft em 7 livros) é que ela ignora sem rodeios todos os “cânones” da literatura de fantasia farofa.

Antes de continuar, vamos definir “literatura de fantasia farofa”. São todas aquelas séries (que variam entre inúmeras trilogias até intermináveis seqüências) que copiam Tolkien descaradamente, adaptando o estilo de prosa para algo mais palatável. Tipo o que o ser humano comum é capaz de ler no ônibus ou no metrô. Cá pra nós, Tolkien tem seus momentos de chatice insuportável, quando o desgraçado passa horas descrevendo as planícies de sei-que-lá. Então, na literatura de fantasia-farofa não tem planícies, tem hecatombes nucleares de magia, dragões de múltiplas cabeças surgindo da dimensão infernal dos submundos e orcs, muitos orcs (mesmo que com outros nomes, tipo draconianos ou trollocs).

Os americanos chamam as séries nesse estilo de “high fantasy”. Nome bem presunçoso, mas que soa melhor que fried flour fantasy. (Tá, forcei a barra nessa. hehehe).

E sim, a literatura de fantasia farofa tem cânones. A maioria deles é copiado de Tolkien, que provavelmente se inspirou em outras fontes. Se eu fosse um cara culto, ia saber citar algo sobre a tradição de canções do trovadorismo e das epopéias do classicismo dos caralhos (as fontes do tio Tolkien, certamente), mas eu não sou, então paramos nas referências por aí.

Bom, agora vamos aos tais cânones e ao que o senhor George R. R. Martin faz com eles (ah, o cara também é escritor de HQs, algum nerd aí se lembra do Universo Carta Selvagem? Pois é):

1) Era uma vez o maniqueísmo clássico de todos os livros do gênero. Não tem Sauron, Dark One, Takhisis ou Voldermort. Os caras maus são maus pra caralho, mas não são “a encarnação do mal sobre a Terra”. Não que a encarnação do mal sobre a terra não exista, ela tem que existir (e vai dar as caras em algum momento da série). Mas os vilões de ASOIAF juntariam de porrada no Voldermort e colocariam ele pra correr fácil fácil.

2) Os personagens fazem sexo. Sim, isso seria impensável para o pobre Tolkien, por exemplo, onde todos os personagens femininos são damas etéreas idealizadas que – se não se vestem de homem – mal fazem parte da trama, apenas dos apêndices e olhe lá. No ASOIAF os personagens fazem sexo e inclusive falam e fazem piada sobre o assunto, com direto a palavras de baixo calão (tsc, tsc).

3) As coisas não demoram 10 livros pra acontecer. Bom, toda série de fantasia farofa deve obrigatoriamente (e esse é um cânone inabalável) caminhar para uma batalha final. Ou a batalha final com os vilões malditos ou uma guerra hecatômbica, o que importa é que você sabe que isso vai acontecer desde o terceiro capítulo, mas a história se arrasta, complicando-se cada vez mais, e nada do esperado clímax. Uma coisa que enerva muitos leitores é justamente o espaço entre “esses são os personagens e eles têm um problema” e “aqueles personagens lá do começo vão matar o cara escroto”, que costuma ser preenchido com páginas e páginas de encheção de lingüiça. No caso do ASOIAF, a parte sangrenta que você está esperando começa logo. Não é “a” parte sangrenta que concluirá o livro, mas é sangrento. E os mistérios que surgem no começo do livro são resolvidos mais rápido do que você imagina. Novos mistérios surgem e a história se complica bizarramente do mesmo jeito. Bom, se não fosse assim não seria fantasia farofa. Seria literatura - irc.

4) A relação do autor George R. R. Martin com seus personagens coadjuvantes é genial. Todos são bucha de canhão. Nem há por que se estressar em decorar nomes, todos vão morrer (isso não é spoiler, é uma estimativa minha, que li apenas três livros da série por enquanto). Alguns dos personagens principais morrem também, mas não seja tão preguiçoso e pelo menos decore o nome deles.

Bom, o autor promete SETE malditos livros. Nada demais, Wheel of Time terá DOZE (eu desisti no livro 10, faltando tão pouco...) e Dragonlance tem inúmeras trilogias, por exemplo. A grande questão é se a série vai virar mais um caça níquel ridículo. Sempre existe potencial para se estender uma história por mais algumas dezenas de livros, o preço é que invariavelmente ela fica um pé no saco.

Eu pensava que acompanharia Wheel of Time mesmo se a série chegasse aos 20 livros, mas percebi que até a minha nerdice tem limites. Espero que os sete volumes de ASOIAF sejam MESMO sete, dessa vez minha paciência não vai durar mais do que isso.

Anyway, pelo menos os personagens fazem sexo.

(np: Bloc Party, Hunting for Witches - esse riffizinho safado nem é rip-off de Sweet Dreams...)